Miss Kittin – Uma Nova Fase

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Abandonou Berlim e gravou um disco com um produtor de Kylie minOgue. Miss Kittin mudou em “Batbox” mas permanece fiel ao seu espírito militante.

Uma Nova Aventura Em Estúdio
O meu manager disse-me que o Pascal Gabriel queria colaborar comigo em estúdio. Ele é uma daquelas pessoas que até assus- tam quando lemos o currículo dele. Já trabalhou com a Kylie Minogue, as Sugababes, Dido ou Sophie Ellis-Bextor. Antes de trabalhar com ele tinha receio de que olhasse para a minha música como quem olha para uma linha de montagem, a nal ele trabalha para aquela dimensão do Top Of The Pops. Nunca quis que me olhassem como carne fresca pronta a ser devorada num meio musical comercial que olha para os artistas como produto. Eu penso que estas pessoas querem entrar no electro underground porque não conseguem obter inspiração de outra forma. Entretanto dei o benefício da dúvida e o Pascal convidou-me a ir um dia ao seu estúdio para ver como poderia ser a nossa empatia. Na primeira tarde zemos um tema, “Machine Joy”. Ele era divertido, sentia as minhas músicas como se estivesse a brincar ao meccano. O Pascal foi uma grande ajuda neste álbum.

Liberta Das Majors
Eu saí da EMI. Apesar de ser um dos artistas mais rentáveis para eles, preferiram libertar-me porque não entrava na sua matriz de artista. Penso que a razão foi que com todos os problemas que estavam a atravessar não estavam para aturar os meus delírios. Acho que hoje todas as pessoas estão felizes por eu ter abandonado a editora. Eu, no início, fiquei triste mas cinco minutos depois disse para comigo: ‘Melhor para mim, estou livre’. Depois comecei a receber propostas de diversas editoras mas também cheguei à conclusão de que o melhor que tinha a fazer era fazer a minha cena e divertir-me. Decidi editar por mim própria, pela Nobody’s Bizzness. De qualquer forma eu não dependo das vendas de discos para viver. Eu ganho dinheiro é como DJ. Hoje em dia ninguém vive de discos de qualquer forma, até a Céline Dion está na penúria!

Gosto mais de beber cervejas pela garrafa, vestida com roupa esfarrapada da cabeça aos pés do que andar em meios como o da moda e passar discos em desfiles do Gaultier!

Regresso A Casa
Este disco marca o meu regresso a casa. Quando vivia em Berlim perdi o controle da minha vida profissional. Passava o tempo a tocar, estava sempre com bookings e a correr de um lado para o outro. Não podia continuar assim. Por isso vim viver para Paris. Reencontrar os meus amigos, simpli car a minha vida. Neste processo de regresso às origens decidi viver os meus ve- lhos fantasmas, a minha experiência de vida ligada à cena gótica. “BatBox” é como uma brincadeira mas também assinala uma nova fase da minha vida.

Quando vivia em Berlim perdi o controle da minha vida profissional

Fazer Um Break!
Eu tive umas férias longas. Precisava de um bom descanso. Sentia-me completamente presa à vida das viagens por todo o mundo, passar o meu tempo em aviões, perder noites a actuar. Por vezes, quando estava a tocar começava a sentir-me claustrofóbica, estava bastante cansada. Então fui de férias para pensar, re ectir sobre a minha vida. Quando cheguei a Berlim disse basta. Tinha de mudar de página e fechar um capítulo. Foi muito duro abandonar a cidade, foi como terminar uma história de amor. E decidi vir para Paris. Depois de ter ido viver num squat em Genebra, de pintar paredes e trabalhar num bar, depois de ver a explosão de Berlim agora estou em Paris. Trabalho duas vezes por mês porque quero. Abrandei e agora faço uma vida mais tranquila: estou com as minhas amigas, toco com elas, vou ao cinema, convivo com pessoas e não enlouqueci. Sinto-me bem!

“Grace” Ou Uma Nova Banda A Caminho?
O tema “Grace” do meu novo álbum é um retrato de um momento de apaziguamento. As suas palavras são simples, sem grandes artifícios de linguagem. Escrevi o tema num quarto de hora. Eu toco o baixo. Tinha comprado um baixo porque quero montar um grupo com umas amigas. No inicío queria tocar bateria mas quando pensei melhor achei que não era bem para mim. Só me recordava da imagem do Phil Collins, a tocar bateria e a cantar, terrível, não poderia fazer uma coisa dessas. Então comprei um baixo. No estúdio não toquei em mais do que uma corda. O Pas- cal disse-me que queria gravar mesmo assim. Foi assim que começou “Grace” – mais um episódio engraçado na minha vida.

Selecção Natural
Estou bastante selectiva em relação aos locais onde actuo. Porque tenho um ritmo mais tranquilo posso pensar melhor sobre onde vou tocar. É uma forma de saber onde vou. Gosto de ir a um club com um som fantástico, com público alegre e onde as pessoas me recebem bem. Raramente é o dinheiro que me convence a ir tocar seja onde for.

Pesadelo Na Colômbia
Uma vez fui a Bogotá e vivi um dos momentos mais aflitivos da minha carreira. Eu actuei em toda a América Latina mas evitei sempre ir à Colômbia porque tenho uma aversão total em relação à cocaína. Mas um dia pensei que era uma falta de respeito ir a todos os países e nunca ir à Colômbia. Então perdi o meu medo e lá fui eu. Só que desde o momento em que saí do avião que senti uma sensação meio estranha, era medonha. Toquei num club para pessoas completamente alteradas, devia ser a única sóbria ali dentro, foi terrível. Depois aconteceram uns episódios super stressantes, como termos sido presos por engano pela policia e o nosso avião de regresso ter- se atrasado oito horas. Foi péssimo. É devido a estas situações que comecei a ser mais selectiva em relação aos meus gigs.

A Paranóia Electroclash
Na altura do electroclash as pessoas começaram a querer empurrar-me para aquela vaga de glamour que de repente se instalou. Quer eu quer o The Hacker achávamos isso uma perda de tempo e detestávamos essa pseudo-onda cool, chique e superficial. Nós somos pessoas das raves, dos teknivales, de festas em squats e de uma forma de olhar séria e apaixonadamente para a música. Depois disseram-nos que os nossos temas eram parte da banda sonora dos desfiles do Gualtier e nós nem queríamos acreditar. De um momento para o outro meteram-nos num mundo que nunca gostámos, o da moda. Eu tinha feito uma música no sotão de uma loja de discos, a “Frank Sinatra”, que era precisamente a ridicularizar esse show business onde só conta a luxúria e a imagem. Apesar de ter recebido muitos convites para tocar em eventos em desfiles de moda eu nunca me quis associar. Não gosto de me associar a esses ambientes nem de estar num local onde a música é algo secundário, naquele momento eram as nossas músicas noutro momento seria outra qualquer e isso não alteraria nada. Para aquelas pessoas é tudo a mesma coisa. Foi interessante ver o impacto no mundo da moda durante a fase do electroclash mas isso não me dizia nada. Deve ser o meu lado punk, mais dado a situações mundanas. Gosto mais de beber cervejas pela garrafa, vestida com roupa esfarrapada da cabeça aos pés do que andar em meios como o da moda e passar discos em desfiles do Gaultier!

Miss Kittin & The Hacker 
O próximo disco com o The Hacker deverá sair em Setembro de 2008. Estamos ainda a escrevê-lo. Eu sei que o Michel não gos- ta muito do que eu faço a solo, ele não gosta das coisas mais espirituais. Eu exploro universos pessoais e meio místicos e ele tem horror a esse lado espiritual-cool. Mas nós somos impor- tantes um para o outro. Precisamo-nos mutuamente.

Uma Imagem Fabricada?
Muitas pessoas pensam que eu dou grande importância à imagem mas não é o caso. A minha imagem não é uma criação, as coisas vão acontecendo naturalmente. Por exemplo, não era suposto eu promover o disco com o The Hacker de robe de enfermeira. Eu e o Michel tínhamos de fazer um show e eu não sabia o que havia de vestir, então ele mandou para o ar a ideia da enfermeira e como era divertido decidimos fazê-lo. Depois como funcionou bem decidi usar essa ideia na promoção do disco. Sei que teve impacto, mas se isso sucedeu não foi por- que era uma estratégia planeada; foi apenas porque foi um gesto sincero, espontâneo e inocente. Ainda hoje recebo mails de pessoas a falarem desse look e que não gostam de me ver de negro. Dizem que me dá uma imagem dark, de tortura e de dominadora, o que não é o caso. Simplesmente acontece. Depois cada ouvinte tem a liberdade de interpretar esses sinais como melhor entender. É interessante que as pessoas fazem uma imagem de ti e depois torna-se difícil destruí-la. É como a Madonna. Ela deu a imagem de uma mãe de família em “I’m Gonna Tell You A Secret” mas as pessoas ainda têm a representação dela com um robe de casada de “Like A Virgin”. Quanto a mim não há segredos, faço as coisas com sinceridade, se não não funcionam nem fazem sentido.

 

texto: Artur Silva
foto: KatjaRuge

By Artur Silva