Derrick May vs Frankie knuckles – encontro de gigantes no Amsterdam Dance Event 2011.

derrick_may_frankie_knuckles

Um dos melhores momentos do ADE 2011 realizou-se no último dia, sábado, ao final da tarde, já muitos participantes tinham regressado a casa e as salas do ADE ficavam apenas para os resistentes – a 4 dias intensos de reuniões e festas – mas o que assistimos na sala grande do Felix Meritis foi um momento histórico.

Nesta conferência, que teve uma toada intimista, Derrick May, um dos pais do techno, e Frankie Knuckles, o pai do house, sentaram-se para uma conversa que nos transportou a todos para tempos em que as culturas – do house de Chicago e do techno de Detroit – despontavam nos Estados Unidos. Foi, de longe, o momento mais interessante de todo o ADE e a Dance Club não podia deixar de partilhá-lo convosco.

Olá, eu sou o Derrick May e este é o Frankie Knuckles. Frankie é um prazer e uma honra poder entrevistar-te, especialmente porque tu foste uma infuência directa no meu trabalho. Tenho a certeza que há mais pessoas no público que partilham esta questão comigo: estiveste afastado durante algum tempo, como te sentes?
Eu estou bem, eu estou muito bem!

Estivemos em Glasgow juntos e ouvi-te tocar, e soavas rejuvenescido, feliz…

Eu sou uma pessoa feliz. Sinto-me um homem novo. Só para clarificar os rumores e o que as pessoas possam dizer, eu perdi o meu pé direito. Vivi cerca de dez anos com dores intensas devido à doença nos ossos do meu pé. Só me apercebi da dor que me causava quando me tiraram o pé. Agora sou um homem novo.

Devo admitir que há uns anos atrás quando te ouvia conseguia sentir a tua dor, mas agora há que dizê-lo, estás de novo em forma!
 Muito obrigado!
Como é que te sentes com a cena em torno da música house nos nossos dias? Tenho a certeza que este público é instruído mas muitas pessoas não fazem ideia que a música house vem de Chicago. Como é que te sentes face a isto?
Eu sempre fiz o melhor para representar a cena de Chicago, mas o que aprendi é que tudo está em permanente mudança, apesar de a música ser na sua essência semelhante está em constante mudança, o público muda constantemente. E há toda uma nova geração que surge e que não sabe de onde vieram os géneros, e temos que educá-la. Se não a educarmos eles não poderão saber a origem das coisas.

És muito educado, nunca pisas o espaço dos outros. Não quero pôr os meus sentimentos nisto, mas quando penso na cena musical em Detroit nós conseguimos manter uma perspectiva daquilo que estávamos a fazer. Não tínhamos ninguém atrás de nós que nos enganavam enquanto fingiam apoiar-nos. E olha para todo o talento que saiu de Chicago, estas pessoas deviam ser grandes estrelas hoje! Deviam ter tido o seu momento de glória… nada disto te deixa zangado ou revoltado?
Não, e vou dizer-te porquê. Todos nós temos que passar por aquilo que nos está reservado. É o teu destino. Zangarmo-nos ou revoltarmo-nos não muda nada. Eu sabia que no final do dia conseguias perceber que quem estava a trabalhar bem ia ser reconhecido, o Steve Silk Hurley está entre nós. Uma salva de palmas para ele… Steve Silk Hurley!

Mas há uma mão cheia de pessoas: o Steve (nr: Silk Hurley), o Jamie (nr: Principle), Jill, há uma série de pessoas em Chicago que são talentos e que estão a pôr novamente as mãos ao trabalho. Naquela altura toda a gente queria fazer house, tal como hoje em dia toda a gente quer fazer música no quarto porque a tecnologia o permite. E toda a gente está a fazer música no quarto! Mas há uma diferença entre tocar no quarto e tocar em frente a um público, enfrentá-lo. E levá-los do ponto A ao ponto B. A música tem que fazer sentido. Se tens um set de 2 horas tens que fazer uma viagem.
Lembro-me da primeira vez que fui a Inglaterra. Eu era um miúdo e recordo-me dos tipos das editoras a ouvir o “Strings Of Life”, o tipo estava ao telefone, não ligou nenhuma à música. A música acabou de tocar e eu saí. Alguém me disse “Queres vir tocar numa festa?”, e eu não tinha discos, fui a uma loja comprei alguns discos mas lembrei-me de ligar à minha mãe e pedir-lhe para meter todos os meus discos na Fed Express. Não sei quanto custou. Um dinheirão, certamente. Fui tocar e passado duas horas um tipo bate-me no ombro e faz sinal para acabar. Eu fiquei “como???”. Até hoje não compreendo o conceito de sets de duas horas. És um contador de histórias…

Exactamente. É uma coisa difícil de fazer, mas eu prefiro fazer as duas horas do que não tocar. Em Chicago e em Nova Iorque tive a sorte de poder esticar os meus sets. Mas é o que é, e eu tento tirar o melhor partido disso.
Não sei se o público sabe mas o Senhor Knuckles é demasiado qualificado para ser um DJ. Porque quiseste ser DJ?

Demasiado qualificado? (risos) olha esta. Não foi planeado. Quando comecei a tocar ser DJ não era uma profissão. Estava no Liceu quando me ofereceram o meu primeiro trabalho. Eu trabalhava no Gallery com o Nicky Siano e o Larry. Quando me ofereceram o trabalho eu pensei que ele estava louco, disse-lhe que não tinha discos, ele disse, usa os meus. Quando dei por mim tinham passado cinco anos. Aí tive que pensar seriamente no que fazer.

A pior coisa que um DJ pode fazer é abrir o seu próprio club. F.K.

O que diziam os teus pais?
Quando eu disse ao meu pai que ganhava 165 Dólares por noite a passar discos, e passava discos 7 dias por semanas, ele fez as contas e concluiu que eu ganhava mais do que ele! (risos)

És de Nova Iorque, como é que foste para a Chicago?
O club onde eu tocava em Nova Iorque tinha falido e fechou. Experimentei andar a tocar noutros clubs durante um ano mas não era a mesma coisa. Qualquer pessoa que tenha tido uma residência sabe como essa primeira experiência é inigualável. Quando isso desaparece é de partir o coração. O meu sócio no Warehouse, o Robin Williams, ofereceu-me a hipótese de ir para Chigaco.

1983. Powerplant. Este club foi o ponto de viragem para ti como DJ e para a música?
Sei a importância do Warehouse, mas o Warehouse era mais exclusivo no início, enquanto que no Powerplant podias ver todo o tipo de pessoas. Foi o local onde o Jamie Principle se afirmou. Era um sítio mágico. Quando o Warehouse fechou eu tinha acabado de lançar o meu primeiro disco: “Let No Man Put Assunder”. E estava tão envolvido na produção que não conseguia dirigir o club. A pior coisa que um DJ pode fazer é abrir o seu próprio club. Não vão conseguir passar discos e dirigir um club e fazê-los ambos bem. Não foi em vão porque o que saiu dessa experiência foi o Jamie Principle. E a minha carreira na produção começou nesse momento.

Parece-me que não foi o download que matou esta indústria, foram as pessoas, onde estão as pessoas que costumavam comprar música desta? F.K.

Vou dizer-te nomes e tu dizes-me o que te vem à cabeça…
Paul Weisenberg

Paul Weisenberg da “Imports Etc”, trabalhei nessa loja de discos em part time nos últimos dois anos de Warehouse, de 1981 a 1983.
 Eu vendi mais de 10/15 mil cópias de cada um dos meus discos nessa loja, a “Imports Inc”, num Verão, em três semanas, e numa só região. Era fácil vender 10/15 mil cópias. Quantas cópias vendeste do “Jack Your Body”, Steve?
Steve “Silk” Hurley: Era de nitivamente de loucos. Vendi mais de cem mil cópias do meu primeiro disco “Music Is The Key”, e nessa loja devo ter vendido 10 ou 15 mil cópias.

FK: É algo que não compreendo, hoje em dia com os downloads um tipo fica feliz de vender 150 mil discos em downloads, mas o que é isto? Nós costumávamos imprimir 150 mil promos! Parece-me que não foi o download que matou esta indústria, foram as pessoas, onde estão as pessoas que costumavam comprar música desta?
“Video killed the radio star”. É basicamente isto. Não gosto de pensar demasiado nisso, o mundo mudou e eu estou a tentar acompanhá-lo. Penso que sou muito sortudo por ainda poder estar no activo, com tanta gente nova e cheia de talento que há por ai, muitas vezes sinto-me o velhote do grupo. Mas é um desafio estar aqui e tentar ser relevante mas é onde me sinto mais confortável.

Mais um nome… Farley Jackmaster Funk…
Adoro o Farley. Quando passaste por tanta coisa numa vida e numa carreira como eu e ele passámos, e consegues chegar aqui. Para mim isso chega.

Craig Loftus…
Conheci o Craig com 15 anos no Warehouse, e fez um trabalho brilhante. Hoje em dia é alto sacerdote.

Qual foi a importância dele na música que tu estavas a fazer?
Ele foi importante para o Powerplant porque era o meu engenheiro de som. Foi ele que construiu e manteve o sistema de som. Hoje ele está a fazer outras coisas. Como muitos de vocês saberão não é fácil ter oportunidades neste negócio, os donos de clubs e os promotores não são rápidos a reconhecer a importância que o sangue novo tem nesta área. O sangue novo é fundamental.

in Dance Club #162 (Dez.2011)

Clássico “The Whistle Song” de Frankie Knuckles (RIP) e o clássico “Strings of Life” de Derrick May ao vivo com a Orquestra Lamoureux de Paris.

By DANCECLUB