Há artistas que nunca deixam as luzes da ribalta, é o caso de Carl Cox, os anos passam mas permanece um superstar dj. Com uma actuação marcada no “Rock in Rio Lisboa” era altura de falarmos com ele…
São 10 da manhã. É muito cedo para dar entrevistas, além disso estás a contrariar a ideia feita que os DJs só acordam depois do meio dia…
Sim, esta é a hora em que voltamos para casa (risos).
Como estás?
Muito bem. Acabei de passar um m de semana alucinante aqui em Londres.
Pois, ouvi falar disso. Voltaste a tocar em Londres, duas noites seguidas no Heaven, depois de uma ausência de três anos.
Sim, foi um regresso perfeito para mim.
Tens tocado pelo mundo inteiro mas Inglaterra em geral, e Londres, em particular, têm tem cado de fora. Não é estranho?
É uma situação realmente bizarra. O mundo é muito grande e só há um Carl Cox! A Portugal não vou há dois anos. Só que não tocar em Inglaterra há três anos era mais grave e estava na altura de resolver isso e tocar, não apenas em Londres, mas no resto do país. Foi óptimo sentir que o público tinha saudades minhas.
É muito bom tocar em Itália, em França, no Japão e por todo o mundo, mas e em casa? Um Inglês tinha que se pôr num avião em direcção a outro país para me ver! Toquei duas noites seguidas, algo que é assustador para qualquer DJ, mas a casa esteve cheia e as pessoas reagiram muito bem.
Voltaste há pouco tempo de mais uma “Winter Music Conference” em Miami. Vais a Miami há tanto tempo, ainda há música, DJs ou festas que te impressionem?
Acho que a América me impressiona sempre. Eles não têm a mesma cultura electrónica que nós por isso a vinda de DJs internacionais é sempre uma festa. Em termos puramente musicais houve muita coisa boa, o que é algo provável quando juntas pessoas de todo o mundo, e fundamentalmente foi possível compreender que há uma nova vaga de DJs, de música e de cultura a nascer e a ser impulsionada.
Há muitos DJs a fazerem a própria música hoje em dia e aconteceu-me algo que nunca tinha acontecido neste grau: passei por muitas festas onde não fazia ideia o que é que o DJ estava a tocar! Acho que nunca repeti tanto a frase “O que é isto que ele está a tocar?” tantas vezes como nesta Winter Music Conference! Mas, se eu não sei o que é então vou ficar mesmo entusiasmado para descobrir. E é bom sinal, é sinal que há muito mais música nova fora dos circuitos convencionais. Há cada vez mais DJs a produzirem aquilo que passam sem dar a outros DJs, o que é um pouco egoísta, mas acaba por haver muito mais música nova.
E o que também me impressionou muito, porque este ano a WMC não coincidiu com o Spring Break (nr: o equivalente às nossas férias da Páscoa dos estudantes norte-americanos), foi que todas as festas estavam sobrelotadas. Saí de Miami com uma sensação de postive vibes, creio que este ano quem lá foi teve direito às melhores festas, aos melhores negócios e a desfrutar de uma onda extremamente positiva na indústria da música electrónica.
Isso é muito boa notícia porque nos últimos anos a Winter Music Conference atravessou um período de alguma estagnação e perdeu aquele hype de ser “O” sítio onde podias ouvir em primeira-mão os hits do Verão seguinte e antecipar a música que se iria ouvir nos anos que se seguiriam. E, aliás, esse facto associado à crise na indústria levou à criação de uma série de réplicas de Miami um pouco por toda a Europa, algo que até há poucos anos não existia.
Creio que o que aconteceu durante alguns anos foi que a conferência e as festas em Miami estavam cheias de pessoal do Spring Break, ou seja, pessoas fora da indústria que não estavam ali para promover nada mas simplesmente para se divertir. Além disso, também acho que o fenómeno de descobrir os hits futuros se complicou devido ao facto de haver cada vez mais música e de isso complicar significativamente a descoberta das pérolas escondidas.
A cena também se move a uma velocidade muito maior, o que por um lado é bom, mas por outro não permite que cada música se desenvolva porque há sempre um tema novo já a seguir.
Eu não gosto de minimal! É música sem alma
Numa entrevista que me deste em 2002, na altura da tua compilação “Global”, afirmaste que “o techno podia ser a soul do século XXI” mas aquilo a que temos assistido é a um renascimento da soul dos anos 50 e 60, com artistas inglesas como a Amy Winehouse e a Duffy, e paralelamente a uma cena crescente de um techno que não é o que tu tens defendido, o techno minimal. O que pensas deste segundo fôlego da soul?
Creio que as pessoas tinham saudades de canções em que sentissem os artistas a pôr nelas toda a sua alma. Canções que guardam toda a paixão de uma vida. Acho que isso é intemporal e pode existir em qualquer género de música.
E da cena techno minimal?
Eu não gosto de minimal! É música sem alma, e para mim esse é o problema. Há temas muito bons, mas são poucos.
Há um exemplo perfeito para ilustrar isto para ti, a Misstress Barbara. Ela tinha um tema de techno, funky e tribal, na tua compilação em 2002. Entretanto deixou de produzir esse tipo de techno e está a fazer techno minimal para editoras como a Border Community do James Holden. Este é um exemplo que te é próximo – foste tu que lançaste a Barbara – o que é que tens a dizer disto?
Acho que ela se está a esforçar muito, talvez demais. Havia muita alma na música que ela fazia no tempo da Relentless (nr: a editora de Misstress Barbara), e aquilo que eu ouço hoje não é a Barbara, é outra coisa qualquer. Foi o som que ela fez nos tempos da Relentless que a pôs no mapa, que a levou a tocar para milhares de pessoas, que a tornou conhecida.
Estás a preparar um DVD e no teu site podemos ver que fizeste recentemente um apelo aos jovens produtores para te enviarem os seus trabalhos. Vais pôr música de novos produtores no teu DVD?
Sim, vou. Sempre apoiei os novos talentos. Estou sempre interessado em quem será o produtor do futuro. Tive um grande feedback, é interessante que as pessoas gostam de sentir que têm um contacto directo comigo.
E que mais terá o teu DVD?
O DVD é um documentário sobre a minha pessoa, é aquilo que sempre quiseste. Tens imagens da minha mãe e do meu pai, a minha irmã, pessoas que me conhecem há mais de 25 anos, as pessoas que importam na minha vida. O público sabe que eu toco e encho clubs mas não sabe, por exemplo, que eu ando de mota, e no DVD tens imagens minhas a andar de mota!
Quando é que vai estar à venda?
Estamos a prever lançá-lo em Agosto. Estamos a produzi-lo há cerca de um ano, a lmar um pouco por todo o mundo, os meus pais em Barbados, no Japão, na China, as malas que não chegam, eu chateado, eu sem estar chateado… (risos) Ui, e sai cada coisa da boca da minha mãe…
Tipo: “Ele fazia isto quando era pequeno…”
Exacto! E as fotos? Nem vais acreditar quando vires as fotos…
Então é o teu presente de aniversário?
(risos) É!
Vais voltar a Portugal após dois anos de ausência, estás contente por regressar?
Tocar em Portugal é sempre uma alegria. As pessoas são óptimas, adoram divertir-se, a comida é maravilhosa e reencontro sempre amigos. É a segunda vez que toco no Rock in Rio e estou ansioso por regressar.
Texto: Sónia Silvestre
In Dance Club #132 (Maio 2008)