O Publishing na era da pirataria e dos espetáculos ao vivo.

Com o advento da internet e a massificação da pirataria a venda de discos deixou de ser o grande mercado que movia milhões e passou a ser uma fatia de negócio que está perto de deixar de fazer sentido: cada vez mais a música tende a ser oferecida porque o ganha-pão dos artistas passou a ser apenas os espectáculos, sejam eles actuações ao vivo ou DJ sets.
Mas há outra forma, particularmente lucrativa, de usar a música: o publishing.

Só que esta é provavelmente uma das áreas mais complexas da indústria musical. Neste artigo tentamos clarificar os termos e a mecânica mas se querem entender o publishing preparem-se para queimar pestanas, por isso mesmo vos sugerimos igualmente leitura sobre o tema.

Em termos simples, o publishing musical é a propriedade e a exploração de músicas sob a forma de copyrights. Copyright pode ser traduzido por direito de autor mas o termo designa mais do que isso por esse motivo decidimos mantê-lo no original Inglês. E tal como a palavra o afirma há muitos direitos (nr: rights) dentro do copyright que podem ser explorados. Podemos licenciar a reprodução de temas musicais em suportes diferenciados tal como CDs, DVDs, ou qualquer outro suporte. Pode licenciar-se a reprodução ao vivo de uma canção. Pode licenciar-se o uso de temas musicais para usos publicitários, isto é, inseridas em campanhas publicitárias; em jogos de computador ou de consolas; ringtones; brinquedos; karaoke; samples; sequências MIDI; usos na Internet, etc. Todo este tipo de utilização da música está sujeito a licenciamento e a ser pago para esse fim.

No publishing musical tal como na gestão de carreiras artísticas muitas vezes as negas que se dão são muito mais importantes do que os trabalhos que se aceitam

O Publisher controla todos estes direitos e tenta torná-los lucrativos. Neste ponto cumpre referir que, apesar desta área ser potencialmente muito lucrativa, o Publisher deve também ter os interesses do artista envolvido presentes, ou seja, criar sempre associações interessantes para a música e o artista envolvidos. Vamos imaginar um caso prático: “Live Your Life” de Erick Morillo e Edie Thoneick era escolhido pelas fraldas para idosos Tena, por exemplo, para uma campanha de TV, e por esse licenciamento ofereciam 100 mil Euros. Aqui põe-se uma questão, e imaginemos uma campanha global: seria do interesse dos artistas em questão car associados a uma marca de fraldas para idosos? E valeriam os 100 mil Euros o custo da associação dos artistas à imagem das fraldas? Ou seja, o publishing musical pode ser lucrativo mas também exigente em termos de escolhas. Neste caso, e mesmo perdendo os 100 mil Euros, a resposta mais adequada seria “não”. Espantados? Não fiquem. No publishing musical tal como na gestão de carreiras artísticas muitas vezes as negas que se dão são muito mais importantes do que os trabalhos que se aceitam.

Agora, podemos pensar em casos opostos. Por exemplo, quando uma canção do Português Slimmy foi incluída na série CSI, isso foi motivo de grande alegria e uma associação não só lucrativa como positiva para o artista em questão. Afinal, a série de TV é um sucesso internacional que levou o tema de Slimmy além fronteiras. Estes são os casos que interessam – e este não é um exemplo, aconteceu mesmo – quando uma música/artista se unem a um qualquer produto/suporte que lhes traga credibilidade acrescida. Outro exemplo de sucesso é a inclusão de músicas dos nacionais Buraka Som Sistema em jogos da Playstation. Isto faz sentido, é uma associação positiva, e o público da banda está na mesma faixa etária que o público consumidor de jogos de Playstation. Como os jogos são mais abrangentes que a banda – ou seja, chegam a muito mais pessoas – significa que além de terem sido pagos por ter um tema incluído num ou mais jogos, a banda nacional viu também a plataforma da Playstation divulgar o seu trabalho pelo mundo. Vantajoso, não?

A questão prática é como é que este trabalho se faz, e para os produtores nacionais não é fácil. Os motivos são diversos: o mercado publicitário em Portugal é pequeno, a grande maioria das campanhas de grandes marcas são simplesmente adaptadas à nossa realidade (nr: traduzidas) e não feitas de raíz em Portugal; as marcas e a sociedade Portuguesa, salvo raras e honrosas excepções, são retrógradas e conservadoras e musicalmente vão preferir o trabalho duma Rita Redshoes a um tema electrónico, ainda que este último possa ser muito mais adequado ao produto. Para complicar as coisas, as editoras em Portugal, salvo raras e honrosas excepções também, sabem e dedicam-se muito pouco ao publishing porque o grande mercado está fora de portas. Qual a solução? Procurar editoras estrangeiras que tratem também do publishing ou procurar um Publisher. Neste ponto, e depois de se fazer uma pesquisa sobre os possíveis candidatos, há que saber que existem dois tipos de contratos de publishing: o de propriedade e o de administração. A diferença é simples, no contrato de administração (habitualmente o mais vantajoso) os direitos continuam a pertencer ao autor da música e o Publisher vende, coloca, gere, e retém uma percentagem para si em pagamento desse trabalho. Agora, é como tudo, neste tipo de acordo o Publisher funciona como um booker, ganha uma comissão e vive despreocupado.

Como em todas as áreas da indústria musical, o publishing é um tema complexo e merece atenção, não apenas porque é uma fonte de rendimento que pode substituir aquilo que as vendas de discos já não dão, mas também porque deve ser paralelo à gestão da carreira de um artista/músico para que não se cometam erros cujos efeitos poderão ser nefastos ao autor. Deixamos-vos algumas sugestões de leitura, infelizmente ainda não há publicações em português sobre o tema, que podem adquirir na Amazon:

The Plain and Simple Guide To Music Publishing“, de Randall D. Wixen

The Musician’s Guide To Licensing Music“, de Darren Wilsey e Deanna Schwartz

Making Music Make Money: An Insider’s Guide to Becoming Your Own Music” de Eric Beall

Atualização 2023: Segundo o “Ibiza Music Summit business report 2023″, a receita com o publishing teve um crescimento de 17% em 2022, mais do dobro do crescimento da venda de discos.
O recente fundo “Beat”, criado pela Armada Music, de Armin van Buuren, foi dotado de 100 milhões de dólares (há planos para chegar a 500M) para aquisição de direitos sobre os catálogos de outras editoras. Uma das primeiras aquisições foi o controlo dos “master recordings” da KMS records, a histórica label de Kevin Saunderson.

Façam boa música para fazer bons negócios!

By Sónia Silvestre