Dentro do espectro da tragédia e da comédia (gregas ou não) encontram-se fashion staples na cena da música eletrónica em Portugal. Apesar de ter começado do outro lado do Oceano em Detroit e Chicago ainda nos anos 70, a eletrónica chega a Portugal muito depois, acompanhada pela moda é claro.
Entre o Rocks Club (Porto), o Jamaica (Lisboa) e até mesmo o Plateau (Lisboa) podemos armazenar um testemunho vasto do estilo das crowds e artistas que frequentavam a música eletrónica em Portugal desde os anos 80.

Acreditem ou não a música eletrónica originou no rock. Sim, no rock. Desde os anos 80 em diante, os baixistas e guitarristas realizaram inovações no campo musicográfico com novos sistemas de notação e conceitos experimentalistas. Estas novas tecnologias musicais fomentaram a criação da guitarra elétrica por exemplo, e foram produzidos novos aparelhos musicais como o sintetizador, synth bass, centenas de alteradores de timbre que caracterizaram movimentos como o techno e o hip pop. Os teclados electrónicos substituíram muitas vezes o discurso directo da guitarra, que por sua vez substituíram também (sem se aperceberem) o vestir de rock para tudo eletrónico.
Há coerência entre o utente e o significado social: tal como o traje fantástico e imaginário de David Bowie vestido de call-girl espacial no seu período Ziggy Stardust; como será então que se vestiam DJ’s e ouvintes? Se a estrela de Pop na sua proposta absurda, sem qualquer intenção para o uso normal e quotidiano, serviu os seus propósitos no espectáculo, criando indumentárias para concerto, sessões fotográficas e tudo quanto, auto-promovendo o seu estatuto social, numa extravagância sem limites, então qual a proposta do DJ? Que adquiriu virtuosismo através de um sound system formado por dois gira-discos, mistura e amplificação; que escreve uma história instantânea através da manipulação de vozes e poemas do pop rock.
A chave está aqui: Não há estrelas na música eletrónica; e como Jorge Lima Barreto descreve e bem no seu livro Zapp estética Pop Rock, “A comunhão colectiva (músicos e público) transpira da intencionalidade de realizar o belo: cada grupo musical preserva para si uma missão redentora e messiânica. O espectáculo funciona então como uma cerimónia de amor e beleza ligado ao maravilhoso.” Que se traduz na cena da música eletrónica em Portugal, cada club transcende quaisquer dicotomias na noite: todos se tornam num, o modo de vestir acompanha.
A falta de imagens que demonstrem esta evolução tem-se provado real, que inevitavelmente envolve a realidade da altura: o “viver a noite” que criou uma dificuldade de capturar a essência da moda num ambiente tão efémero e em constante evolução como o da música eletrónica em Portugal. A moda está também eternizada em memórias orais e relatos de quem viveu a cena dinâmica e temporária, embora com um impacto duradouro na cultura.
A moda e a música estavam em constante diálogo. Na era do rock, a imagem era quase tão importante quanto o som, mas na música eletrónica o foco predominante era o som. A identidade visual da cena eletrónica tornou-se desta forma numa extensão da experiência sensorial, com foco no ouvido, que reflete a evolução e a fragmentação dos estilos musicais que surgiram, com hibridização de influências culturais e musicais. Em vez de uma estrela há uma coletividade visual e sonora.
A moda e a música estavam em constante diálogo.
ANOS 90

O clássico. Simples e sofisticado sem grande (aparente) esforço. A T-shirt branca espreita sem ter oportunidade de mostrar demasiada descontração dado que o pullover preto a cobre, assentes ambos sobre um par de calças de ganga humildemente impecáveis. O cabelo vive mais uma vez aparentemente livre, no topo da cabeça, ainda que cuidado e penteado. Esta estética clean e minimalista felizmente chegou a Portugal a tempo, e manteve-se relevante até nas raves.

Aliado ao estilo cleane minimalista, entram as camisolas de malha, com padrão ou não, neste caso o exemplo de uma camisola de malha jacquard, que se mantém inconsciente à sua polidez, anexada a uma parafernália completamente diversa nos anos 90. Entram em cena também as graphic oversized tees (e não só), e os puffer jackets.

A par ou não desta influência, a indumentária nos clubes de música eletrónica em Portugal foi drasticamente influenciada pela cultura do hip-pop, que trouxe à superfície o famoso streetwear. Um termo muito giro que usamos hoje em dia sem grande reflexão, mas que verdadeiramente parte de um abandono do look justo dos anos 80, e que transmite a ideia de uma geração que se afasta das imposições de vestuário tradicionais e que adopta uma visão mais descontraída e inclusive rebelde. As t-shirts com logotipos grandes de marcas icónicas, marcaram presença e expressaram a identidade de grupo no universo do clubbing. Quem partiu também a loiça toda, foram os puffer jackets, que para além de serem usados no quotidiano ou associados à moda desportiva passam a ser vistos como elemento chave do estilo que dominava as discotecas. (Abaixo um testemunho colossal do uso do fato de treino como símbolo da descontração e streetwear dos anos 90).


Independentemente dos tempos, o look de rave tende a ser sempre mais extravagante do que a norma – até mesmo nos anos 90. Ainda que predominasse a apresentação polida, o cabelo apanhado com acessórios divertidos ou coloridos tendem a transportar o raver para uma realidade futurista. O mesmo se aplica aos óculos de sol, que juntamente com os puffer jackets fazem uma aparência diurna e nocturna. Estes seres mutáveis rapidamente entram em party mode, adicionando uma camada de mistério e uma identidade visual coletiva aos regulares dos clubes que vestiam este código visual que definia a cena.
A TRANSIÇÃO

Se a música sofre uma mudança com a entrada no novo milénio, o estilo de todos à sua volta também. Os anos 90 marcados pelo estilo futurista e pela descomplicação visual, os 00’s trazem consigo roupa mais justa e um retorno ao corpo com ajuste no estilo pessoal. Portugal sente na pele as influências dos grandes centros internacionais e transforma-as num experimentalismo visto no interior das discotecas de Lisboa e nos ambientes underground do Porto. A eletrónica já não restrita a grandes festas, multiplica-se em diversos subgéneros, cada um dando espaço a novas formas de vestir. O culto à individualidade, que perdura até aos dias de hoje, passou a ser um reflexo da diversidade musical, liberdade e expressão criativa do novo milénio.

A transição mantém a camada trazida pelos óculos de sol, mas funde ambas as estéticas, a roupa mais justa, com um hairstyle desinibido e criativo.

ANOS 00

Tal como antes visto há várias formas de expressar a mesma fase, o mesmo acontece nesta. A inspiração no punk regressa, e a bem. Seja através das túnicas até às ancas, ou das pulseiras largas em couro, ou até mesmo através de t-shirts dark com caveiras. Houve quem optasse por trazer estes looks ao next level com calças de cabedal (ou imitação para alguns) e combat boots.

As skinny jeans entram no seu apogeu, frequentemente abraçadas por uma bota de cano alto, uma camisola off the shoulder e/ou um casaco de cabedal. No caso do receptor de estilo participar namoda masculina, a ganga era geralmente straight (felizmente ainda não tinha sido descoberta a skinny jean para homens) e acompanhada por uma graphic tee, ou para os mais conservadores uma camisa justa.

Os tube tops viveram também a sua época de popularidade, atrevidos ou não, justos, lisos ou com padrão. O hairstyle feminino por excelência era brilhante e liso tal como o das celebridades, por sorte fácil de reproduzir. E por fim, acessórios tiveram o seu devido direito na spotlight como tantos outros itens. Geralmente grandes, diversos, argolas ou ornamentais, é impossível deixar passar estes neon em forma de ananás que desfiles de grandes maisons da altura confirmam comotendência como o Stella Jean RTW Spring 2016 com brincos desproporcionalmente grandes. Deleitem-se.

BIBLIOGRAFIA
Lima Barreto, Jorge. Zapp estética Pop Rock. Porto: Edições Afrontamento, 1991.
Salas, J. & outros. (2002). Historia del Rock. 1951-2000. Editorial Salvat.